Liturgia

A mistagogia da música litúrgica

A música, como “parte necessária ou integrante da Liturgia solene” (Sacrosanctum Concilium, nº 112), pode e deve colaborar no sentido de conduzir a assembleia ao Mistério celebrado. Este Mistério, que é o Mistério Pascal de Cristo, é contemplado a cada celebração, sob os mais diferentes aspectos, conforme o itinerário do ano litúrgico. Assim, podemos afirmar que a música litúrgica possui um caráter mistagógico, bem como os demais símbolos, gestos e ritos que compõem a Liturgia.

Para uma música ser considerada litúrgica, vale lembrar que existem alguns critérios básicos a serem observados: estar fundamentada na Palavra de Deus e/ou nas fontes litúrgicas; levar em conta o tempo litúrgico e a ação litúrgica a ser realizada; estar em sintonia, de maneira equilibrada, com a cultura do povo; não fazer uso de melodias que já revestiram outros cantos não-litúrgicos.

Este foi o tema principal do mais recente Encontro Diocesano de Canto Litúrgico, realizado na cidade de Toledo, no dia 3 de julho. Junto aos ministérios litúrgico-musicais, foi trabalhado um método pelo qual é possível realizar uma espécie de leitura orante do canto litúrgico, refletindo sobre os seus elementos teológicos e musicais.

Recomenda-se a aplicação do método mistagógico em momentos formativos e também durante os ensaios que os ministérios de música realizam, em preparação para a celebração. Para isso, pode-se, por exemplo, escolher uma canção do repertório, de preferência a que for mais representativa daquele domingo ou do tempo litúrgico.

MÉTODO MISTAGÓGICO NO REPERTÓRIO LITÚRGICO

Conheça alguns passos do método mistagógico aplicado ao repertório litúrgico

1) Primeiramente, faz-se uma leitura do texto, procurando compreendê-lo e, em seguida, interpretá-lo, identificando suas fontes de inspiração (Bíblia, Liturgia das Horas, Missal Romano, etc.) e sua estrutura formal (com ou sem refrão, quem fala, quais os tempos verbais, a quem o texto é dirigido, etc.).

2) Em seguida, ensaia-se a melodia e, logo após, busca-se encontrar a forma pela qual os elementos musicais estão dispostos com relação ao texto. Em outras palavras, trata-se de responder às perguntas: a música como um todo (melodia, harmonia e ritmo) ajuda a realçar o sentido do texto? De que maneira? Como texto e música se relacionam?

3) São pertinentes, ainda, algumas outras questões, a fim de aprofundar análise mistagógica, tais como: esta canção é adequada a qual tempo litúrgico? Qual o momento celebrativo mais apropriado para cantá-la?

4) Após o aprofundamento da relação entre texto e música e sua aplicação na Liturgia, pode-se ainda ir além, relacionando a canção às dimensões constitutivas do ser humano e às atitudes que ela provoca, no dia a dia do cristão.

5) Por fim, ao se cantar novamente a música, um “novo olhar” é lançado sobre ela, com mais consciência e propriedade de seu conteúdo e de sua função na Liturgia, seja acompanhando um rito, seja constituindo um rito por si mesma.

Este é um roteiro que certamente ajuda as comunidades, pouco a pouco, a consolidarem o seu repertório litúrgico e, outrossim, auxilia em uma maior compreensão da música litúrgica e de sua dimensão ritual.

Recomenda-se, ainda, que os ministérios de música aproveitem o tempo disponível antes da celebração (15 ou 20 minutos antes) para realizar um breve ensaio com a assembleia. Não é preciso ensaiar todo o repertório, mas dar uma atenção maior àquilo que é mais necessário: canto de abertura, refrão do salmo responsorial, o refrão do canto de comunhão e algum canto novo que porventura seja inserido, etc. Há, por exemplo, alguns cantos que são ocasionais ou próprios de uma determinada solenidade, que são cantados uma vez ao ano. É fundamental recordá-los com a assembleia, a fim de possibilitar que todos participem de forma mais plena e ativa ao longo da celebração.

Que possamos aprofundar o nosso ministério litúrgico-musical e estar sempre em busca dos meios mais eficazes para torná-lo, cada vez mais, um verdadeiro serviço ao povo de Deus, que tem o “direito a que a celebração da Eucaristia seja preparada diligentemente em todas suas partes” (Redemptionis Sacramentum, nº 58).

 

Adenor Leonardo Terra

Regente, compositor, membro da ASLI – Associação dos Liturgistas do Brasil,

doutorando em Teologia pela Université Laval (Québec, Canadá)